
Gaza
A poem by Nieves Neira (tr. Erin Moure from Galician)
Read at Di(n)Versos on 16 October 2023 in A Coruña.
You can hear the author read her poem in Galician here at approx. 20:45:
https://www.youtube.com/live/Q8-bPtP7Nmc?si=bCRKxTJeYi2cghqQ&t=1245
.
I’d thought that among this scant people there were no murderers
said a poet from Lugo, my own city, during the years of terror, Luís Pimentel
The thousands of hours, the centuries, that went into the making of a man,
he said of then-Galicia and its wayside graves.
To deprive men of food is a fault that no circumstance mitigates, the distinction between voluntary and involuntary does not apply to it, wrote Rabbi Yochanan ben Zakkai in the first century.
.
.
Who, today, can come into this poem?
What ruined sky can come into this poem?
What macabre number of dead children can fit into it?
What distance lies between the face that drops a bomb and the face of a dead child?
What border lies between the screen and the dead child’s face? Between the phone I hold and the face of the dead child?
230 murdered children
534 murdered children
724 murdered children
1020 murdered children
2300 murdered children
Is it easier if the poem says dead instead of murdered?
.
In the Promised Land death rains on the faces of murdered children
I have no right to write this poem
The real of the poem bears no seduction
Just a face.
.
As a child, I was told at home of a woman who’d had her tongue severed.
By the police of another promised land. She endured unspeakable things
She was called crazy for she told everyone what happened
For the police of the promised land were her neighbours
for no one ever expressed regret and she was but thirteen years old.
.
How can the unspeakable come into the poem?
.
Pain is human
in this mouth, pain is alphabetic
in your mouth, in my mouth, in our mouth,
pain is gnawed, we gnaw it, pain is in the word
in the eyes of birds.
.
The inhuman still resists being spoken
as if the language did not want to
utter what should not have been
what should never have been
what’s left behind of the tongue’s blind love.
.
The Promised Land is armed
it’s tooth for tooth in the promised land
The sea crashes against the side of a wall.
.
No idea in and of itself that shuts itself away is the poem
No idea that shuts itself away is the promised land
From a dark dream no dream emerges
dream gone dark gone dark the promised land.
.
The unspeakable flicks through TV channels with the remote
from one channel to another the deafening racket of the unspeakable
The woman they once told me of at home now screams on TV
No one sees her face.
.
I close my eyes into the poem
all the names, all the names of numbers, all the faces of all the numbers, all the faces that history engulfs
A people without electricity, without water, with no way out
You’ll accept the unacceptable the more you see it
the more it shows up on TV
Time and time again it’s the angel of history that withdraws.
.
The unspeakable circles around us in silence
The unspeakable fogs the window of history
In the promised land all think of murder
In the promised land all flee from all
On TV a boy pokes out the eyes of birds
The world’s circle of silence is the promised land
The poem breaks the promise
There is no power, no destiny, higher than this earth and this body
The poem breaks the promise
that gave birth to it
and withdraws.
GAZA
Eu pensaba que niste pobo pequeno non había asasinos
dicía nos anos do terror un poeta da miña cidade, Luís Pimentel
Os milleiros de horas, de séculos que fixeron falla para faguer un home,
dicía daquela Galicia nas cunetas.
.
Deixar os homes sen alimento é unha falla que ningunha circunstancia atenúa, a ela non se aplica a distinción do voluntario e o involuntario, escribiu no século I o Rabino Yochanan ben Zakai.
Que pode, hoxe, entrar neste poema?
Que ceo destruído pode entrar neste poema?
Que número macabro de nenos mortos pode caber aquí?
Cal é a distancia entre o rostro que tira unha bomba e o rostro do neno morto?
Cal é o límite entre a televisión e o rostro do neno morto? Entre o teléfono que sosteño nas mans e o rostro do neno morto?
230 nenos asasinados
534 nenos asasinados
724 nenos asasinados
1020 nenos asasinados
2300 nenos asasinados
Vai mellor co poema dicir morto que asasinados?
Na Terra Prometida a morte chove no rostro dos nenos asasinados
Eu non teño dereito a escribir este poema
O real do poema non é ningunha sedución
É un rostro.
Na miña casa faláronme dunha muller a quen tronzaron a lingua
Foran os policías doutra terra prometida. Fixéronlle cousas que non se poden dicir
Chamábana tola porque a todo mundo llas contaba
Porque os policías da terra prometida eran os seus veciños
porque nunca naide lle pediu perdón e só tiña trece anos.
Como entra no poema o que non se pode dicir?
Humana é a dor
a dor ten letra nesta boca
na túa boca, na miña boca, na nosa boca,
a dor mastígase, mastigámola, a dor está dentro da palabra
nos ollos dos paxaros.
O inhumano aínda se resiste a ser dito
como se a linguaxe non quixese
pronunciar o que non debera ter sido
o que nunca debera ter sido
un resto de amor cego da lingua.
A Terra prometida está armada
dente por dente na terra prometida
O mar bate coa parede dun muro.
Ningunha idea de si que se peche sobre si é o poema
Ningunha idea de si que se peche sobre si é a terra prometida
Ningún soño negro vén de ningún soño
negro soño negra terra prometida.
O que non se pode dicir salta co mando da televisión
dunha canle a outra o ruído o ruído xordo do que non se pode dicir
A muller da que me falaron na casa grita na televisión
Ninguén lle ve o rostro.
Pecho os ollos no poema
tódolos nomes, tódolos nomes dos números, tódolos rostros de tódolos números, tódolos rostros que a historia engole
Un pobo sen luz, sen auga, sen saída
Aceptarás o inaceptable canto máis exposto se mostre
canto máis apareza na televisión
Unha vez e outra o anxo da historia que se retira.
O que non se pode dicir roda en silencio contra nós
O que non se pode dicir abafa o cristal da historia
Na terra prometida todos cren ser asasinos
Na terra prometida todos foxen de todos
Na televisión un neno pincha nos ollos dos paxaros
A roda de silencio do mundo é a terra prometida
O poema rompe a promesa
Ningún poder, ningún destino, por riba desta terra e deste corpo
O poema rompe a promesa
que o fixo nacer
e se retira.
_____________________________________________________
GAZA
Eu pensava que neste povo pequeno não havía assassinos
dizia, nos anos do terror, um poeta da minha cidade, Luís Pimentel
Os milhares de horas, de séculos que foram gastos para se fazer um homem,
dizia daquela Galiza nas valetas.
Deixar os homens sem alimento é uma falha que nenhuma circunstância atenua, a ela não se aplica a distinção entre o voluntário e o involuntário, escreveu no século I o rabino Yochanan ben Zakai.
O que pode, hoje, entrar neste poema?
Que céu destruído pode entrar neste poema?
Que macabro número de crianças mortas pode caber aqui?
Qual é a distância entre o rosto que arremessa uma bomba e o rosto da criança morta? Qual é o limite entre a televisão e o rosto da criança morta? Entre o telefone que seguro nas mãos e o rosto do menino morto?
230 crianças assassinadas
534 crianças assassinadas
724 crianças assassinadas
1020 crianças assassinadas
2300 crianças assassinadas
Será melhor, no poema, dizer morto em vez de assassinados?
Na Terra Prometida, a morte chove no rosto das crianças assassinadas
Eu não tenho direito a escrever este poema
O real do poema não é nenhuma ilusão
É um rosto.
Em minha casa falaram-me de uma mulher a quem foi cortada a língua.
Foram os polícias de outra. Fizeram-lhe coisas que não
podem ser ditas. Chamavam-na de tola porque as contava a toda a gente
Porque os polícias da terra prometida eram os seus vizinhos
Porque nunca ninguém lhe pediu perdão, e só tinha treze anos.
Como entra no poema aquilo que não pode ser dito?
Humana é a dor
a dor tem letra nesta boca
na tua boca, na minha boca, na nossa boca,
a dor mastiga-se, mastigamo-la, a dor está dentro da palavra
nos olhos dos pássaros.
O inumano ainda resiste a ser dito
como se a linguagem não quisesse
pronunciar o que não deveria ter acontecido
o que nunca deveria ter sido
um resto de amor cego da língua.
A Terra Prometida está armada
dente por dente na terra prometida
O mar embate na parede de um muro.
Nenhuma ideia de si que se feche sobre si é o poema
Nenhuma ideia de si que se feche sobre si é a terra prometida
Nenhum sonho negro advém de nenhum sonho
negro sonho negra terra prometida.
O que não pode ser dito salta com o comando da televisão
de um canal para o outro o ruído o ruído surdo do que não pode ser dito
A mulher de que me falaram em casa grita na televisão
Ninguém lhe vê o rosto.
Fecho os olhos no poema
todos os nomes, todos os nomes dos números, todos os rostos de todos os números, todos os rostos que a história engole
Um povo sem luz, sem água, sem saída
Aceitarás o inaceitável quanto mais exposto ele seja
quanto mais apareça na televisão
Uma e outra vez o anjo da história afasta-se.
O que não se pode dizer roda em silêncio na nossa direção
O que não se pode dizer abafa o cristal da história
Na terra prometida todos crêem ser assassinos
Na terra prometida todos fogem de todos
Na televisão uma criança preme os olhos dos pássaros
A roda de silêncio do mundo é a terra prometida
O poema quebra a promessa
Nenhum poder, nenhum destino, acima desta terra e deste corpo
O poema quebra a promessa
que o fez nascer
e afasta-se.
Tradução para português: Sara I. Veiga
Pingback: Gaza__sp | tr3sreinos