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Imagem: Ryan Mosley

Manoel de Barros. Livro sobre nada, 1996.

O livro sobre nada

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.


El libro sobre nada

Es más fácil hacer del atolondramiento un regalo que de la sensatez.
Todo lo que no invento es falso.
Hay muchas maneras serias de no decir nada, pero solo la poesía es verdadera.
Tiene más presencia en mí lo que me falta.
El mejor modo que encontré para conocerme fue haciendo lo contrario.
Estoy muy formado en conflictos.
No puede haber ausencia de boca en las palabras: ninguna quedará desamparada del ser que la reveló.
Mi amanecer va a ser de noche.
Mejor que nombrar es aludir. El verso no precisa dar noción.
Lo que sustenta la fascinación de un verso (fuera del ritmo) es el ilogismo.
Mi contrario es más visible que un poste.
Sabio es el que adivina.
Para tener más certezas tengo que saberme de imperfecciones.
La inercia es mi acto principal.
No salgo de dentro de mí ni para pescar.
La sabiduría puede ser que se sea estar árbol.
Estilo es un modelo anormal de expresión: es estigma.
El pez no tiene honores ni horizontes.
Siempre que deseo contar algo, no hago nada; pero cuando no deseo contar nada, hago poesía.
Yo quería ser leído por las piedras.
Las palabras me esconden sin cuidado.
Donde yo no estoy las palabras me encuentran.
Hay historias tan verdaderas que a veces parece que son inventadas.
Una palabra abrió el albornoz para mí. Ella desea que yo la sea.
La terapia literaria consiste en desordenar el lenguaje al punto de que ella exprese nuestros más hondos deseos.
Quiero la palabra que sirva en la boca de los pajarillos.
Esta tarea de cesar es la que tira de mis frases para antes de mí.
Ateo es una persona capaz de probar científicamente que no es nada. Solo se compara a los santos. Los santos quieren ser los gusanos de Dios.
Lo mejor para llegar a nada es descubrir la verdad.
El artista es error de la naturaleza. Beethoven fue un error perfecto.
Por pudor soy impuro.
El blanco me corrompe.
No me gusta la palabra acomodada.
Mi diferencia es siempre menos.
La palabra poética tiene que llegar al grado de juego para ser seria.
No necesito del fin para llegar.
Del lugar donde estoy ya me marché.