Foto: Miguel Otero
Ruy Belo (1933-1978)
Esta rua é alegre. Não é alegre uma rua anónima
mas a rua de são bento em vila do conde
vista por mim certa manhã após a chuva
e o nevoeiro a dissipar-se já junto de santa clara.
E no entanto não é a rua de são bento que é alegre.
Alegre sou eu. E nem mesmo é que eu seja alegre.
Acontece simplesmente que me sirvo destas palavras
numa manhã de chuva para falar falar por falar
e não falar de mim ou de uma certa rua.
Não costumo por norma dizer o que sinto
mas aproveitar o que sinto para dizer alguma coisa.
Isto, porém, são coisas que há já algum tempo se sabem
e talvez venham aqui para salvar este momento
para salvar romanticamente este momento
ou então para ilustrar um pouco desta vida que se perde
e não só ao viver-se mas ao pensar-se sobre ela
ao atraiçoá-la tantas vezes como condição indispensável do poema.
Mas que dizia eu? Dizia apenas “esta rua é alegre”
O mais é só comigo e com a subjectiva forma como passo a minha vida.
Esta calle es alegre. No es alegre una calle anónima
pero la calle de são bento en vila do conde
vista por mí cierta mañana tras la lluvia
y las nieblas disipándose al llegar a santa clara.
Y sin embargo no es la calle de são bento lo que es alegre.
Alegre soy yo. Y ni siquiera es que yo sea alegre.
Sucede simplemente que me sirvo de estas palabras
una mañana de lluvia para hablar hablar por hablar
y no hablar de mí o de una cierta calle.
No suelo por norma decir lo que siento
sino aprovechar lo que siento para decir otra cosa.
Sea como fuere, son cosas que hace tiempo ya se saben
y tal vez vengan aquí para salvar este momento
para salvar románticamente este momento
o entonces para ilustrar un pedazo de esta vida que se pierde
y no solo al vivirla sino al pensar sobre ella
al traicionarla tantas veces como condición indispensable del poema.
¿Pero qué estaba diciendo? Decía apenas “esta calle es alegre”
Lo demás es cosa mía y de la subjetiva forma como paso mi vida.